O
garoto olhava para mim com aquele ar sapeca, de quem queria aprontar e fazer um
milhão de coisas comigo. Eu retribuía o olhar da mesma forma em meio à fumaça e
os estrobos. Talvez ele não conseguisse me enxergar direito por causa daqueles
efeitos ambientais, entretanto eu conseguia distingui-lo totalmente em meio às
pessoas que curtiam.
Ele
era bonito, tinha os olhos azuis, pele branca e um cabelo legal, com um corte
maneiro. Tinha uma franja meio que caindo pelos olhos, mas não tinha aquele
estereotipo emo que as pessoas tanto confundem. A parte de trás da cabeça era
parcialmente raspada e a franja agitava-se com os passos de dança meio tímidos.
Ele estava bem vestido para mim, com uma calça skinny, camiseta em gola V e um discreto colete por cima. No pé,
tênis de cano alto. Se quisesse poderia até distinguir as marcas das roupas.
Ainda
me olhando, o garoto se aproximou e eu não tirei os olhos dele nem por um
momento. Percebia as nuances e os cheiros dele se modificando conforme ele avançava.
O cheiro dele era de sexo. Totalmente. Aquilo me inebriava e eu adorava essa
sensação. O perfume que ele usava também era gostoso pra cacete. Tive que
controlar meu desejo, por enquanto.
– E aí! Qual o seu nome? – a voz do
menino também era bonita, apesar de forçá-la para parecer mais masculinizado.
– Nicholas. E o seu?
– Douglas, mas pode me chamar de
Doug. E aí Nicholas, cê mora onde?
– Moro aqui perto e você?
– Moro na norte. Meio longinho né?
– perguntou Doug rindo.
– Não, acho que não... já conheci
gente que mora muito mais longe do que você, isso eu posso te garantir. Mas me
conta o que você vem fazer aqui. Vem muito pra cá? – tentei fazer com que meu
tom de voz demonstrasse interesse.
– Ah de repente venho pra cá pra
conhecer meninos bonitos assim como você. – respondeu Doug com olhar malicioso.
Deixei o comentário no ar e
enquanto fazia uns passos de dança, perguntei:
– Curte dançar?
Ele respondeu afirmativamente com a
cabeça.
– Dança comigo então.
Ele tentou me imitar fazendo uns
passos como o meu da mesma forma tímida de antes. Com o gelo do primeiro
contato já parcialmente derretido, lacei o braço em sua cintura e o puxei pra
perto de mim. Nossos rostos ficaram a centímetros de distância.
– Dança... comigo! – coloquei ênfase na última palavra para ele entender o que
eu queria dizer. As vibrações mentais dele estavam a mil agora.
Algo entre suas pernas enrijeceu.
– Nossa! Como seus olhos são
bonitos! Amendoados, né? – questionou Doug curioso, enquanto analisava as
feições do meu rosto.
– É mais ou menos isso, mas de
certa forma, sim. – respondi rindo.
– E onde você andou por todo esse
tempo? Eu deveria ter encontrado você antes.
Esse menino era bem saidinho, mas
isso acontece o tempo todo quando se deparam comigo. Deve ser por causa do
magnetismo que minha espécie possui.
– Vixe, essa é uma longa história.
Não vale a pena te contar de onde eu vim. – tentei soar cordial com a resposta,
mas acredito que ele tenha captado a mensagem. Meus olhos saíram do foco
perfeito de seu rosto como se eu estivesse vendo mais de uma cena ao mesmo
tempo.
Doug passou a mão pelo meu rosto.
– Seu rosto é lindo. Você é pálido,
mas mesmo assim parece um anjo feito por Deus.
Até onde sei, os anjos são feitos
por Deus, mas tudo bem. Questionei-me até onde o senso de humor dele podia ir.
– Erh...
Precisava agir rápido. Estava
faminto e tinha pouco tempo até o nascer do sol.
Tasquei um beijo na boca dele para
que se calasse. Meus lábios percorreram os lábios dele de forma contínua e
firme. Enterrei as mãos e os dedos ansiosos na nuca dele enquanto comprimia seu
corpo no meu. Ele emanou uma vibração de que estava gostando e achando estranho
ao mesmo tempo. Ele deve ter achado meus lábios e dedos gelados demais. Bem, eu
sou um cadáver ambulante e isso não podia ser diferente.
– Vamos lá para o canto. – sugeri
erguendo uma sobrancelha.
– Olha que safado! – Doug me olhava
admirado. Ele deve falar isso pra todos os caras que beija. Muito clichê.
Doug tomou a iniciativa de
encontrar um local mais discreto dentro da danceteria, se é que isso era
possível. Ela estava apinhada de gente pra lá e pra cá. Pessoas riam alto, bebiam,
usavam substâncias alucinógenas e dançavam freneticamente na pista. Senti as
vibrações corpóreas dos outros seres humanos como descargas elétricas acariciando
meu corpo. Doug me conduzia pela mão sem nada disso perceber, mas pela forma
como andava, parecia saber exatamente o que fazia. E o que queria.
– Eu curti você, Nicholas.
– Eu também curti você, Doug.
Meus lábios roçaram a orelha dele e
eu brincava com a língua, que deslizava pela linha do pescoço. Quando meus
lábios tocaram a pele macia de sua garganta, na altura da jugular, Doug soltou
um gemido, contido pela música alta. Ao mesmo tempo sentia a pulsação sanguínea
dele. Meus caninos aumentaram de tamanho perigosamente. Podia senti-los
despontando pela parte inferior da minha boca. Pontiagudos e afiados. Prontos
para rasgar a carne e alcançar aquela veia principal.
De repente o DJ começou a tocar Rob Zombie e a galera foi ao delírio.
– Nick, vamos dançar, eu gosto
dessa música.
– Não. Vamos ficar aqui. Tá mais
gostoso. – respondi ao pé do ouvido.
– Vamos, vai!
Senti o corpo de Doug tentar me
empurrar, porém sem sucesso. Quando percebi seu movimento usei minha força para
segurá-lo. Ele tentou mais uma vez e depois mais outra, mas eu não saía do
lugar. Suas atitudes eram infrutíferas.
– Você é meu, Doug. Pra sempre!
Ele não cedeu. Tentou me empurrar
mais uma vez. Eu nem saí do lugar. Mesmo que cinco homens tentassem juntos,
jamais conseguiriam me mover. A sua vibração corpórea mudou de excitação para receio
instantaneamente.
– Ok, já chega. Me solta!
– Não vou soltar.
Ele se desvencilhou do meu abraço e
olhou direto nos meus olhos. Ele percebeu a mudança de cores. Eles eram
dourados. Agora estavam vermelhos. Percorreu os olhos pelo meu rosto pálido e
percebeu os caninos protuberantes enquanto eu sorria de volta. Arregalou os
olhos quando conseguiu enxergar a composição completa da morte rindo da cara
dele.
Suas vibrações passaram do receio
ao pânico absoluto. O cheiro do medo era um aroma doce para mim. E eu gostava
de provocar isso nas pessoas. Alimentar-me delas enquanto dormiam era sem
graça.
Percebi que em sua boca manifestava-se
um grito de horror.
Eu usei a voz de comando.
Silêncio.
Não dê nenhum piu.
O corpo dele tremia, entretanto
nada podia fazer para me deter. Era como se fios encantados o prendessem como
marionete. E eu era o ventríloquo, podendo comandá-lo como quisesse. A voz de
comando domina a vítima totalmente, mas ela continua consciente do que acontece
ao seu redor. Mais um truque que aprendi com Enri, meu criador.
–
Fique quieto e mova sua cabeça para o lado.
Automaticamente Doug obedeceu,
apesar de lutar com todas as forças para retomar o controle.
Lambi seu pescoço e cravei os caninos
nele procurando por sua jugular. Dois segundos de total agonia se passaram para
ele até que eu rompesse a veia. Imediatamente o sangue jorrou em minha boca e
eu ingeri cada jato que seu coração bombeava. Enquanto ele tremia com a dor,
tremi junto curtindo esse prazer. Para nós é extremamente extasiante se
alimentar de sangue fresco. É como um orgasmo longo e multiplicado. Doug era um garoto delicioso.
Retirei a boca do ferimento para
arfar de êxtase. Doug estava pálido e suava, tremendo pelo choque do ataque. Foi
perdendo as forças gradativamente e os espasmos cessaram por completo. As pessoas
ao redor não perceberam nada.
– Você é meu, Doug. Para sempre.
Para sempre.
Carreguei o corpo leve de Doug até
um canto escuro como se estivesse abraçado com ele. Se o carregasse como uma
noiva no colo, ninguém notaria nada, visto que àquela altura do campeonato
todas as pessoas estavam loucas, bêbadas ou jogadas pelos cantos do local. Encostei-o
em uma parede escura e longe da luminosidade confusa dos estrobos. Algum
segurança do local com certeza o encontraria quando começassem a limpar a
bagunça.
Olhei no celular e vi que eram
cinco e quinze da manhã. Em breve o sol nasceria e eu tinha de me apressar.
Essa brincadeira já tinha ido longe demais. Limpei a boca com a manga da camisa
retirando os restos de sangue que lá haviam ficado.
Peguei minha jaqueta na chapelaria.
A funcionária do local olhava pra mim com aquele ar de “Ooooooh, que menino
lindo”, mas eu não dei trela pra ela. Tirei o cartão magnético que servia de
comanda das mãos dela de forma meio brusca, porém ela não pareceu se importar
com esse gesto. Continuava com aquele olhar idiota em cima de mim. Eu a
ignorei.
Saí andando rápido da balada,
descendo a Frei Caneca. Meu destino era a Bela Cintra e eu queria cortar
caminho cruzando a Augusta e a Haddock Lobo. A jaqueta e os cabelos farfalhavam
com o rápido deslocamento do ar. Mesmo usando minha velocidade normal eu era
mais rápido que os humanos. Mais ágil. Mais gracioso. Os gays presentes paravam para me olhar enquanto passava, até os
acompanhados por outros caras. Entre brigas, xingos, música alta, gargalhadas e
drogas, eu desviava dos transeuntes com pressa. Ainda sentia o estômago arder
pedindo mais sangue. Entretanto, não
podia me entregar à sede de novo.
Olhei pro alto e vi a coloração do
céu passando do negro ao violeta. Se eu não chegasse a tempo em casa, eu
viraria lenda. Literalmente. Em alguns momentos estaria seguro da luz em meu
quarto.
Ao dobrar a esquina, presenciei três
homens no exato instante em que estavam tentando estuprar uma mulher. Eles
sentiram minha presença e viraram, encarando-me dos pés à cabeça. A vítima
deles estava jogada ao chão com as roupas um tanto rasgadas, apresentando um
estado de resistência e violência. Olhei nos olhos de cada um em tom de
desafio.
– Ora, ora, ora, o que temos aqui?
Um belo garotinho indefeso. Aí Zezão, segura a vagabunda que enquanto isso a
gente vai dar um trato nesse aqui.
O sol quase nascendo, eu com pressa
e a sede ainda gritando dentro de mim.
É.
Realmente eu tava fodido mesmo. Lei
de Murphy caindo sobre mim nesse instante. Ou será que era sobre esses homens? Bem,
o destino prega peças cruéis em algumas pessoas. Mas nessa noite não seria em
mim que o destino deitaria as mãos.
Zezão debruçou-se em cima da mulher
segurando-a pelos ombros enquanto ela chorava e soluçava. Até daria pena se eu ainda
fosse humano. Os outros dois caras vieram na minha direção.
– Fiquem onde estão. – minha voz
soou grave e ecoou pela rua deserta.
– Hahaha. Ce acha mesmo que você
assim magricelo pode com a gente? Cê viu o que a gente tá fazendo então a gente
vai dá um jeito em você. – disse um dos homens exibindo um sorriso com dentes
amarelos.
– Eu já disse. Fiquem onde estão.
O outro homem tirou um canivete
retrátil do bolso e acionou a lâmina. Zezão olhava para mim com uma expressão
de “esse cara já era”. O único som agora era o barulho de alguns pássaros
piando e se agitando com o ar matinal ganhando cada vez mais intensidade e os
soluços da mulher.
O cara do canivete avançou. Eu
retesei as pernas. O que aconteceu a seguir foi muito rápido para a vista turva
que a humana tinha. Depois de dois passos dados pelo homem, a única coisa que
ela viu foi o mesmo instrumento de corte enfiado na garganta dele, na altura da
traquéia. Eu usei minha velocidade vampiresca para pegá-lo desprevenido,
retirei o canivete de sua mão e em um movimento giratório certeiro, cravei-o
fundo em sua garganta. Ele percebeu que não conseguia mais respirar segundos
depois, pois de sua boca escapava um gorgolejar. Ele estava se afogando no
próprio sangue. O cheiro invadiu minhas narinas automaticamente, mas tive de me
segurar e me concentrar naquela ação.
A mulher soltou um sonoro grito
quando viu o homem despencando à sua frente com a expressão de afogamento e a
faca enfiada no pescoço. Zezão soltou os ombros da mulher, vindo na minha
direção em seguida. Ele ficou em dúvida se ajudava o moribundo ou se vinha me
apanhar. Parecia não entender como no segundo seguinte seu colega estava
mortalmente ferido. A mulher aproveitou a deixa e saiu correndo pela rua aos
berros.
– Que porra você fez, moleque? –
berrou o primeiro.
– Que merda é essa, mano? – veio o
outro.
Os dois humanos praticamente
correram na minha direção. Se eu fosse como eles, provavelmente eu correria rua
acima, entretanto meus novos instintos me compeliam a fazer algo completamente
diferente.
Atacar, morder, sugar, matar.
Movimentei-me mais rápido do que
eles e no primeiro soquei brutalmente o lado direito do rosto. O barulho do
maxilar e dos ossos de suas maças quebrando foi bem audível. Dentes voaram da
boca e os lábios se cortaram em inúmeras partes, vertendo uma grande quantidade
de sangue.
O segundo homem presenciou o amigo
caindo e correndo em minha direção não me viu mais em sua frente. Num novo
movimento sobrenatural, parei por trás dele segurando sua cabeça. Uma de minhas
mãos fez apoio em seu queixo e a outra ficou na parte superior do crânio. Fiz
um forte solavanco. Foi possível ouvir um estalo grave quando o osso se partiu.
O corpo do pobre homem caiu estatelado no chão.
Peguei o cara que havia sobrado pelos
colarinhos e enterrei as presas em seu pescoço arrancando dele os últimos
suspiros e arquejos. O sangue não era puro; havia substâncias em sua corrente,
inseridas ali pelo orifício no braço e o conseqüente hematoma na pele. Pelo
menos pude satisfazer aquela queimação maldita. Rapidamente analisei o cenário em volta. Os
três homens estavam mortos. A mulher havia fugido. Não conseguiria limpar a
bagunça a tempo.
Corri o mais rápido que pude usando
a velocidade vampiresca ao meu favor. Praticamente voei pelo caminho, pois
estava completamente abastecido de sangue. Por isso, usar meus poderes no
máximo não me deixaria fraco agora. O céu ficou tingido de azul turquesa. Logo
o sol despontaria no horizonte. Cheguei à Bela Cintra. Havia alguns prédios
para me proteger dos mortais raios de sol. Entretanto, minha pele ardeu com a
mudança de temperatura. O céu ficou mais claro e a intensidade da ardência
aumentou. A dor era parecida com insolação de terceiro grau. Vi a fachada do
prédio. Estava muito próxima agora. O portão estava fechado. Dei impulso e
saltei, passando por cima da grade. O porteiro nem notou, concentrado na tela
de uma diminuta TV. Passei pelo hall aberto e entrei no hall coberto do luxuoso
edifício. O elevador estava no térreo. Entrei e apertei o 15° andar. Estava à
salvo. Sobreviveria a mais uma noite.
Continua...
Ufa...achei que ia morder a mocinha...rs
ResponderExcluirUuuuui... Vampiros, vampiros...
ResponderExcluirTão sedutores...
Pra completar uma das frases :
ResponderExcluirDoug era um garoto delicioso... Literalmente delicioso!
Hehehehehhe
Huahuahau, só vc com suas ideias de moço casto, rs.
ExcluirMas fico feliz que esteja lendo, gostando, aproveitando e me dando dicas, rs