BELOS E MALDITOS - Capítulo 2


O Doador



– Quem eram essas loucas? – questionei com a voz uma oitava acima.
– Eu não queria que você as conhecesse, Nick. – respondeu Enri de forma séria. Em seu olhar também havia um ar de preocupação. – Porém – completou ele cerrando os olhos – receio que você tenha procurado por isso.
Eu balançava negativamente a cabeça devido sua resposta. Estava indignado. Tínhamos sido ameaçados por duas garotas que tinham a aparência mais jovem do que a nossa se duvidar. Minha vontade era de morder seus pescoços até arrancar suas cabeças do lugar. Entretanto, não havia nem sinal delas. Muito menos de suas vibrações corpóreas. A cortina que havia na janela aberta do terraço balançava debilmente com o vento.
Continuei olhando para ele aguardando que continuasse.
– E então? – questionei torcendo a boca impaciente.
Enri bufou levemente como se aquilo lhe tirasse um peso das costas e respondeu com a boca já cicatrizada:
– Elas são as Soturnas.
– As quem?
– Soturnas.
– Pensei que fossem noturnas, como nós!
– E são.
– Mas não somos denominados como Escuros?
– Sim, mas... existem outros... tipo, como se fossem raças, como cães. Podem se movimentar de forma assombrosa, são ágeis, muito fortes e tem sentidos extra-sensoriais excelentes assim como nós, porém essa raça de noturnos tem um talento que as faz diferentes do restante. Elas podem ficar invisíveis. Nem nossa visão aguçada consegue identificar a presença delas.
Eu havia comprovado antes de elas partirem que eu podia sentir a presença delas mesmo estando invisíveis. Eu tinha um talento nato que me diferenciava dos demais Escuros, mas nem sequer sonhava que existiam outras raças de vampiros além da nossa.
– Você devia ter me dito isso, Enri. – Estava me sentindo traído por ele não ter me confidenciado esse detalhe.
– Dentro dessa raça existem apenas mulheres. ­–  considerou ele. Não tive certeza se ele havia ignorado meu comentário ou se não havia me ouvido. Como vampiros escutam muito bem, preferi ficar com a primeira opção.
– Dentro de nossa sociedade existem juízes, governadores e etc. que obviamente são vampiros poderosíssimos. As Soturnas são como a polícia dos seres humanos. Elas são os olhos das leis vampíricas e representam os braços da sociedade noturna, agindo e punindo quem não segue as leis.
               – Você ouviu o que eu disse? Não se faça de sonso! – indaguei levantando-me do chão e andando em direção ao terraço. ­– Você devia ter me falado sobre a existência de outras raças e sobre a questão dessas leis. Não aprendi nada com você em todos esses tempos.
– Ô, não seja injusto, Nicholas! Eu ensinei várias coisas a você, como por exemplo, a saltar em grandes distâncias. E lhe ensinei também a voz de comando! Esqueceu-se disso já? Eu ensinei todas as nossas habilidades! – respondeu Enri com ar de indignação.
– Tá bem então. Deixa quieto! É melhor.
Fiquei ali olhando os prédios e a paisagem daquele belo bairro que se estendia ao longo do plano e juntava-se com o firmamento mais adiante, quando a visão não mais alcançava nada. A raiva e a indignação começavam a ferver em minha cabeça. Estava realmente me sentindo traído. Todavia, logo esse sentimento se dispersou, pois me veio à mente que também omitia algo importante dele. O remorso me consumia quando pensava naquilo. Mas a voz da minha intuição dizia que por mais que eu me martirizasse escondendo aquilo dele, eu não devia contar-lhe nada. Isso colocou um pano quente em qualquer resquício de indignação da minha parte.
– Desculpe, Nick! Eu devia ter dito esse detalhe a você. Preparar-lhe para coisas sérias e que inevitavelmente viriam mais cedo ou mais tarde.
– Bem, pelo visto essas coisas vieram tarde demais, não? – lancei ironicamente.
– Eu queria te proteger desse mundo cruel. Os vampiros também têm regras, tradições, costumes e uma vasta sociedade. Principalmente em uma cidade tão grande como São Paulo. Eu queria que você tivesse uma vida de regalias e prazeres, longe desses joguetes que os outros fazem noite após noite. Enfim... eu ainda posso consertar as coisas, não posso? – seus olhos emitiam um brilho profundo e emocionado. Concentrei-me em suas vibrações corpóreas. Elas me traziam sinceridade e bem-estar. Ele falava a verdade e não resisti.
Peguei em suas mãos frias e senti mais uma vez, sem cansar, meu corpo arrepiar-se dos pés à cabeça, não deixando escapar nem o poro do último fio de meus cabelos. Por uma atitude impulsiva e até mesmo impensada, decidi revelar meu dom a ele.
– Tenho uma coisa pra te contar. – revelei.
– Diga o que é. – disse ele ansiosamente.
– Eu tenho uma habili...
Um ruído de passos fez a concentração de Enri se dispersar e minha voz sumir. Não pude completar a frase, pois o dono do apartamento apareceu naquele momento no living.
– Enri... é você? – disse Rômulo. Sua voz era grave e estava levemente rouca pelo despertar recente.
– Sim, sou eu.
– Nossa... senti tanto sua falta! – confessou ele.
Esqueci completamente da história das Soturnas e de qualquer outra coisa que poderia me incomodar. Sinceramente não sabia distinguir qual tipo de sentimento me invadiu naquele momento. Não saberia dizer se foi ódio, raiva, ciúmes, desejo ou fome. Ou um misto de todos eles revolvendo-se ao mesmo tempo dentro de mim.
Debilmente Rômulo andou em direção a Enri e lhe pegou num forte e demorado abraço. Eu soergui uma sobrancelha enquanto o nariz de Enri se enterrava no pescoço dele. Enri não se alimentava de Rômulo, sem dúvidas. Não havia aroma de sangue fresco no ar.  Entretanto, suas vibrações corpóreas diziam-me outra coisa. Eles estavam gostando e apreciando aquele momento de malícia. Estavam se curtindo. E excitados naquele abraço safado.
Todos os sentimentos que estavam dentro de mim se multiplicaram de forma avassaladora, como um vulcão prestes a entrar em erupção. Meus dentes trincaram sonoramente e Enri percebeu, porém olhava-me de forma maliciosa.
– Nicholas, esse é Rômulo, meu doador.
Quando meus olhos focaram os de Rômulo, senti um ardor brando e completo dentro do peito, diferente do que sentia por Enri. Enquanto meu sentimento por Enri era algo que poderia caracterizar como uma paixão avassaladora e destruidora, o que passei a sentir naquele momento era totalmente reconfortante. Algo que jamais havia sentido.
O mortal parado à minha frente tinha o tom de pele pardo mais perfeito que já vi. Os olhos totalmente castanhos, expressivos e grandes, repletos de aquosidade e um brilho irresistível. Os dentes brancos se destacavam perfeitamente em contraste com sua cútis. O sorriso era fenomenal. Os cabelos, lisos e penteados, levantados displicentemente em um topete. Simplesmente um deus grego. E estava me sentindo mortalmente atraído por ele.
No mesmo momento em que essas sensações estavam me deixando louco de desejo, Enri mudou a posição do abraço, passando a segurá-lo por trás. Depois passou os braços por sua cintura e colocou as mãos gélidas em sua barriga definida, por baixo da camiseta de Rômulo. Agora os dois tinham o mesmo tipo de intenção no olhar. E olhavam diretamente nos meus olhos.
A energia dos dois era vibrada na mesma sintonia. Eles queriam que outra pessoa se juntasse a eles. E essa pessoa era eu.
Olhando aquela cena, passei a percorrer o corpo dos dois com os olhos. Eles iam do rosto dos dois às mãos de Enri dentro da camiseta de Rômulo e parou ali, naquela pele morena e perfeita. Minha vontade era mergulhar naquilo tudo. Queria que minha pele pálida se unisse a pele dele. A partir daí perdi a razão e tudo aconteceu rápida e intensamente.
Nossas energias corpóreas explodiram no segundo seguinte quando minha velocidade vampiresca foi ativada instantaneamente e me colei nos dois, tendo Rômulo no meio e Enri por trás.
Minha boca se chocou com a de Rômulo de forma voraz e intensa. Nossas línguas se encontraram e travaram uma batalha de desejo e ardor. Os lábios se procuravam e se mordiscavam. Havia muito desejo e sofreguidão naquele beijo que não precisava ser contido. Estávamos extravasando nossos desejos recém despertados. A respiração dele ficou intensa e ele soltou um leve gemido ao mesmo tempo em que sua energia corpórea me chibatou de leve. A sensação era como se fosse um pequeno choque no meu corpo. Isso aconteceu porque Enri estava deslizando a língua gelada no pescoço do mortal, num movimento de vai e vem. Os caninos pontudos roçavam em Rômulo e a cada investida ele tremia e se arrepiava levemente.
Enfiei meus dedos nos cabelos da nuca de Rômulo e puxei sua cabeça para trás. Enquanto minha língua descia pela parte frontal de seu pescoço ele arfava de prazer tendo dois mortos-vivos lhe fornicando.
 Afastei-me um pequeno momento para admirar a excitação entalhada naquele rosto moreno. Enri, que continuava seu trabalho degustativo na pele de Rômulo, parou para uma nova manobra. Com um rápido puxão, a camiseta de Rômulo saiu intacta por sua cabeça e foi arremessada longe, entre entulhos de madeira e vidro. Depois, com a unha levemente longa, Enri produziu um fino corte no ombro do doador e de lá sorveu um discreto filete de sangue.
O cheiro do sangue, ao invés de me chamar para a violência e morte deliberadas, me trouxe uma nova sensação. Estava muito mais excitado do que faminto. Era uma mistura de sensações e vontades tão malucas, tão estonteantes e voluptuosas que não conseguia sequer encontrar palavras para descrever. Era um oceano de luxúria e embriaguez. Meu corpo era apenas um bote dentro dele.
E nesse mar de loucuras minha língua continuou seu caminho até a clavícula e à linha do tórax torneado de Rômulo. O mamilo moreno dele me chamou a atenção e não resisti. Passei a língua por ele também, roçando os lábios, mordiscando, fazendo movimentos circulares e outros sortilégios. Sem querer, a ponta de um dos meus dentes afiados roçou de leve na pele provocando outros pequenos sangramentos como se ele tivesse raspado ali uma lâmina de barbear. Fiquei olhando para a pequena gotícula de sangue que começara a se formar.
Enquanto isso, Enri deslizava a língua pela linha das costas do doador. Ele gemia alto e se contorcia vez ou outra sendo estimulado por duas pessoas (ou vampiros) ao mesmo tempo. De verdade: essa era uma sensação e tanto.
– Como senti sua falta, Enri! – falava Rômulo entre gemidos e suspiros. – E esse seu namorado é realmente uma delícia.
Suas palavras bateram fundo na minha mente. E também no meu peito, pois sentia o peso delas como uma bigorna dentro de mim, em cima do meu coração morto. Enri estava lá também, com seu espaço totalmente desenvolvido, mas Rômulo... parecia que havia escavado para si um novo pedaço. Sem pensar, sorvi a gota de sangue formada em seu peito e tudo explodiu numa felicidade jamais sentida. Não era vontade de sugar até a morte que eu sentia, aquela coisa medonha de beber tudo até ouvir o coração da vítima bater fracamente em uma pulsação tola. Minha vontade era de sugar por amor, por desejo... como... como se fosse aquele sexo humano no qual você se entrega totalmente e todo o ato realizado é altruísta e sem ânsia por recompensas. E no fim os corpos se unem em um só.
De repente, todo o tipo de pensamento passou pela minha cabeça. Infância, adolescência, escola, academia, a notícia do acidente... Percebi de imediato que esses pensamentos não eram os meus, mas sim o de nosso doador passando como um flashback em minha mente. E sentia como se meus pensamentos estivessem sendo assistidos e tocados por outra pessoa. Ou apenas parte dele, pois não me recordava de minha vida mortal muito bem.
Continuei descendo com a língua por seu abdômen. Meus olhos ficaram na altura do botão de sua calça e minha boca um pouco mais abaixo, onde havia algo rígido há tempos. Fechei as pálpebras e enterrei o nariz naquele volume, por cima da calça. E farejei profundamente, esfregando-o de leve para não machucar Rômulo, que estava cada vez mais entregue a nós. Eu podia sentir o cheiro dos seus feromônios vindos de lá e isso me deixou doido, assim como o cheiro do medo me deixava alucinado quando matava.
Em um movimento ágil, abri o botão e o zíper, puxando em seguida seu jeans. As pernas pardas e torneadas ficaram à mostra e repeti o movimento do nariz por cima da cueca boxer mesmo. Abri a boca como se fosse abocanhar o membro rígido e ele esperou ansiosamente. Entretanto, meu objetivo era outro. Deslizei a língua pela parte interna de sua coxa, arrancando mais suspiros dele. E de repente seu corpo soltou um espasmo de dor. E isso ocorreu porque de onde estava, cravei meus caninos pontiguados e grandes ali, na altura da veia femoral. A quantidade de sangue que saiu dali foi incrível e sorvi cada golada com indescritível prazer. Prazer mais intenso que vários orgasmos.
Rômulo gemia de excitação e incomodo ao mesmo tempo. A mordida de um vampiro causa certa dor quando os caninos perfuram a carne, mas é acentuada por uma grande sensação de prazer em seguida. Isso acontece não somente com a fonte, mas também com o vampiro que se alimenta dela naquele momento, sentindo a mesma coisa.
Enri fazia o mesmo ritual, só que sugava da jugular de Rômulo. Ele estava completamente dominado pelo nosso “Beijo”. O sangue dele era levemente ardido por causa do uísque que havia bebido.
Quando sentimos os batimentos cardíacos dele mudarem para um ritmo mais lento, Enri disse:
– Já basta.
Com Rômulo semi-inconsciente, como se estivesse bêbado mesmo, o levamos para seu quarto. Enri me deu a honra de carregá-lo. Rômulo tinha a constituição física firme e era forte, devendo pesar uns 95 kg. Entretanto, pra mim ele era apenas uma pluma devido a minha força sobrenatural.
O coloquei delicadamente na cama, lambemos seus ferimentos e enquanto ele ressonava, ficamos ali velando seu sono em silêncio. Uma onda de sentimento fraternal me invadiu naquele momento. Era como se algo quente escorresse lentamente de dentro de mim. Todavia, sentia algo estranho no ar, como um vento agourento ou uma pesada nuvem tempestuosa se aproximando.
Era como uma premonição sombria. Sentia como se algo estivesse arrastando-se pra cima de nós, parecido com aviso. Alguma coisa horrível estava para acontecer conosco.

Continua...