O Doador
–
Quem eram essas loucas? – questionei com a voz uma oitava acima.
–
Eu não queria que você as conhecesse, Nick. – respondeu Enri de forma séria. Em
seu olhar também havia um ar de preocupação. – Porém – completou ele cerrando
os olhos – receio que você tenha procurado por isso.
Eu
balançava negativamente a cabeça devido sua resposta. Estava indignado.
Tínhamos sido ameaçados por duas garotas que tinham a aparência mais jovem do
que a nossa se duvidar. Minha vontade era de morder seus pescoços até arrancar
suas cabeças do lugar. Entretanto, não havia nem sinal delas. Muito menos de
suas vibrações corpóreas. A cortina que havia na janela aberta do terraço
balançava debilmente com o vento.
Continuei
olhando para ele aguardando que continuasse.
–
E então? – questionei torcendo a boca impaciente.
Enri
bufou levemente como se aquilo lhe tirasse um peso das costas e respondeu com a
boca já cicatrizada:
–
Elas são as Soturnas.
–
As quem?
–
Soturnas.
–
Pensei que fossem noturnas, como nós!
–
E são.
–
Mas não somos denominados como Escuros?
–
Sim, mas... existem outros... tipo, como se fossem raças, como cães. Podem se
movimentar de forma assombrosa, são ágeis, muito fortes e tem sentidos
extra-sensoriais excelentes assim como nós, porém essa raça de noturnos tem um
talento que as faz diferentes do restante. Elas podem ficar invisíveis. Nem
nossa visão aguçada consegue identificar a presença delas.
Eu
havia comprovado antes de elas partirem que eu podia sentir a presença delas
mesmo estando invisíveis. Eu tinha um talento nato que me diferenciava dos
demais Escuros, mas nem sequer sonhava que existiam outras raças de vampiros
além da nossa.
–
Você devia ter me dito isso, Enri. – Estava me sentindo traído por ele não ter
me confidenciado esse detalhe.
–
Dentro dessa raça existem apenas mulheres. –
considerou ele. Não tive certeza se ele havia ignorado meu comentário ou
se não havia me ouvido. Como vampiros escutam muito bem, preferi ficar com a
primeira opção.
– Dentro de nossa
sociedade existem juízes, governadores e etc. que obviamente são vampiros
poderosíssimos. As Soturnas são como a polícia dos seres humanos. Elas são os
olhos das leis vampíricas e representam os braços da sociedade noturna, agindo
e punindo quem não segue as leis.
– Você ouviu o que eu
disse? Não se faça de sonso! – indaguei levantando-me do chão e andando em
direção ao terraço. – Você devia ter me falado sobre a existência de outras
raças e sobre a questão dessas leis. Não aprendi nada com você em todos esses
tempos.
–
Ô, não seja injusto, Nicholas! Eu ensinei várias coisas a você, como por
exemplo, a saltar em grandes distâncias. E lhe ensinei também a voz de comando!
Esqueceu-se disso já? Eu ensinei todas as nossas habilidades! – respondeu Enri
com ar de indignação.
–
Tá bem então. Deixa quieto! É melhor.
Fiquei
ali olhando os prédios e a paisagem daquele belo bairro que se estendia ao
longo do plano e juntava-se com o firmamento mais adiante, quando a visão não
mais alcançava nada. A raiva e a indignação começavam a ferver em minha cabeça.
Estava realmente me sentindo traído. Todavia, logo esse sentimento se
dispersou, pois me veio à mente que também omitia algo importante dele. O
remorso me consumia quando pensava naquilo. Mas a voz da minha intuição dizia
que por mais que eu me martirizasse escondendo aquilo dele, eu não devia
contar-lhe nada. Isso colocou um pano quente em qualquer resquício de
indignação da minha parte.
–
Desculpe, Nick! Eu devia ter dito esse detalhe a você. Preparar-lhe para coisas
sérias e que inevitavelmente viriam mais cedo ou mais tarde.
–
Bem, pelo visto essas coisas vieram tarde demais, não? – lancei ironicamente.
–
Eu queria te proteger desse mundo cruel. Os vampiros também têm regras,
tradições, costumes e uma vasta sociedade. Principalmente em uma cidade tão
grande como São Paulo. Eu queria que você tivesse uma vida de regalias e
prazeres, longe desses joguetes que os outros fazem noite após noite. Enfim...
eu ainda posso consertar as coisas, não posso? – seus olhos emitiam um brilho
profundo e emocionado. Concentrei-me em suas vibrações corpóreas. Elas me
traziam sinceridade e bem-estar. Ele falava a verdade e não resisti.
Peguei
em suas mãos frias e senti mais uma vez, sem cansar, meu corpo arrepiar-se dos
pés à cabeça, não deixando escapar nem o poro do último fio de meus cabelos. Por
uma atitude impulsiva e até mesmo impensada, decidi revelar meu dom a ele.
–
Tenho uma coisa pra te contar. – revelei.
–
Diga o que é. – disse ele ansiosamente.
–
Eu tenho uma habili...
Um
ruído de passos fez a concentração de Enri se dispersar e minha voz sumir. Não
pude completar a frase, pois o dono do apartamento apareceu naquele momento no living.
–
Enri... é você? – disse Rômulo. Sua voz era grave e estava levemente rouca pelo
despertar recente.
–
Sim, sou eu.
–
Nossa... senti tanto sua falta! – confessou ele.
Esqueci
completamente da história das Soturnas e de qualquer outra coisa que poderia me
incomodar. Sinceramente não sabia distinguir qual tipo de sentimento me invadiu
naquele momento. Não saberia dizer se foi ódio, raiva, ciúmes, desejo ou fome.
Ou um misto de todos eles revolvendo-se ao mesmo tempo dentro de mim.
Debilmente
Rômulo andou em direção a Enri e lhe pegou num forte e demorado abraço. Eu
soergui uma sobrancelha enquanto o nariz de Enri se enterrava no pescoço dele.
Enri não se alimentava de Rômulo, sem dúvidas. Não havia aroma de sangue fresco
no ar. Entretanto, suas vibrações
corpóreas diziam-me outra coisa. Eles estavam gostando e apreciando aquele
momento de malícia. Estavam se curtindo. E excitados naquele abraço safado.
Todos
os sentimentos que estavam dentro de mim se multiplicaram de forma
avassaladora, como um vulcão prestes a entrar em erupção. Meus dentes trincaram
sonoramente e Enri percebeu, porém olhava-me de forma maliciosa.
–
Nicholas, esse é Rômulo, meu doador.
Quando
meus olhos focaram os de Rômulo, senti um ardor brando e completo dentro do
peito, diferente do que sentia por Enri. Enquanto meu sentimento por Enri era
algo que poderia caracterizar como uma paixão avassaladora e destruidora, o que
passei a sentir naquele momento era totalmente reconfortante. Algo que jamais
havia sentido.
O
mortal parado à minha frente tinha o tom de pele pardo mais perfeito que já vi.
Os olhos totalmente castanhos, expressivos e grandes, repletos de aquosidade e
um brilho irresistível. Os dentes brancos se destacavam perfeitamente em
contraste com sua cútis. O sorriso era fenomenal. Os cabelos, lisos e penteados,
levantados displicentemente em um topete. Simplesmente um deus grego. E estava
me sentindo mortalmente atraído por ele.
No
mesmo momento em que essas sensações estavam me deixando louco de desejo, Enri
mudou a posição do abraço, passando a segurá-lo por trás. Depois passou os
braços por sua cintura e colocou as mãos gélidas em sua barriga definida, por
baixo da camiseta de Rômulo. Agora os dois tinham o mesmo tipo de intenção no
olhar. E olhavam diretamente nos meus olhos.
A
energia dos dois era vibrada na mesma sintonia. Eles queriam que outra pessoa
se juntasse a eles. E essa pessoa era eu.
Olhando
aquela cena, passei a percorrer o corpo dos dois com os olhos. Eles iam do
rosto dos dois às mãos de Enri dentro da camiseta de Rômulo e parou ali,
naquela pele morena e perfeita. Minha vontade era mergulhar naquilo tudo.
Queria que minha pele pálida se unisse a pele dele. A partir daí perdi a razão
e tudo aconteceu rápida e intensamente.
Nossas
energias corpóreas explodiram no segundo seguinte quando minha velocidade
vampiresca foi ativada instantaneamente e me colei nos dois, tendo Rômulo no
meio e Enri por trás.
Minha
boca se chocou com a de Rômulo de forma voraz e intensa. Nossas línguas se
encontraram e travaram uma batalha de desejo e ardor. Os lábios se procuravam e
se mordiscavam. Havia muito desejo e sofreguidão naquele beijo que não
precisava ser contido. Estávamos extravasando nossos desejos recém despertados.
A respiração dele ficou intensa e ele soltou um leve gemido ao mesmo tempo em
que sua energia corpórea me chibatou de leve. A sensação era como se fosse um
pequeno choque no meu corpo. Isso aconteceu porque Enri estava deslizando a
língua gelada no pescoço do mortal, num movimento de vai e vem. Os caninos
pontudos roçavam em Rômulo e a cada investida ele tremia e se arrepiava
levemente.
Enfiei
meus dedos nos cabelos da nuca de Rômulo e puxei sua cabeça para trás. Enquanto
minha língua descia pela parte frontal de seu pescoço ele arfava de prazer
tendo dois mortos-vivos lhe fornicando.
Afastei-me um pequeno momento para admirar a
excitação entalhada naquele rosto moreno. Enri, que continuava seu trabalho
degustativo na pele de Rômulo, parou para uma nova manobra. Com um rápido
puxão, a camiseta de Rômulo saiu intacta por sua cabeça e foi arremessada
longe, entre entulhos de madeira e vidro. Depois, com a unha levemente longa,
Enri produziu um fino corte no ombro do doador e de lá sorveu um discreto
filete de sangue.
O
cheiro do sangue, ao invés de me chamar para a violência e morte deliberadas,
me trouxe uma nova sensação. Estava muito mais excitado do que faminto. Era uma
mistura de sensações e vontades tão malucas, tão estonteantes e voluptuosas que
não conseguia sequer encontrar palavras para descrever. Era um oceano de
luxúria e embriaguez. Meu corpo era apenas um bote dentro dele.
E
nesse mar de loucuras minha língua continuou seu caminho até a clavícula e à
linha do tórax torneado de Rômulo. O mamilo moreno dele me chamou a atenção e
não resisti. Passei a língua por ele também, roçando os lábios, mordiscando,
fazendo movimentos circulares e outros sortilégios. Sem querer, a ponta de um
dos meus dentes afiados roçou de leve na pele provocando outros pequenos
sangramentos como se ele tivesse raspado ali uma lâmina de barbear. Fiquei
olhando para a pequena gotícula de sangue que começara a se formar.
Enquanto
isso, Enri deslizava a língua pela linha das costas do doador. Ele gemia alto e
se contorcia vez ou outra sendo estimulado por duas pessoas (ou vampiros) ao
mesmo tempo. De verdade: essa era uma sensação e tanto.
–
Como senti sua falta, Enri! – falava Rômulo entre gemidos e suspiros. – E esse
seu namorado é realmente uma delícia.
Suas
palavras bateram fundo na minha mente. E também no meu peito, pois sentia o
peso delas como uma bigorna dentro de mim, em cima do meu coração morto. Enri
estava lá também, com seu espaço totalmente desenvolvido, mas Rômulo... parecia
que havia escavado para si um novo pedaço. Sem pensar, sorvi a gota de sangue
formada em seu peito e tudo explodiu numa felicidade jamais sentida. Não era
vontade de sugar até a morte que eu sentia, aquela coisa medonha de beber tudo
até ouvir o coração da vítima bater fracamente em uma pulsação tola. Minha
vontade era de sugar por amor, por desejo... como... como se fosse aquele sexo humano
no qual você se entrega totalmente e todo o ato realizado é altruísta e sem
ânsia por recompensas. E no fim os corpos se unem em um só.
De
repente, todo o tipo de pensamento passou pela minha cabeça. Infância,
adolescência, escola, academia, a notícia do acidente... Percebi de imediato
que esses pensamentos não eram os meus, mas sim o de nosso doador passando como
um flashback em minha mente. E sentia como se meus pensamentos estivessem sendo
assistidos e tocados por outra pessoa. Ou apenas parte dele, pois não me
recordava de minha vida mortal muito bem.
Continuei
descendo com a língua por seu abdômen. Meus olhos ficaram na altura do botão de
sua calça e minha boca um pouco mais abaixo, onde havia algo rígido há tempos.
Fechei as pálpebras e enterrei o nariz naquele volume, por cima da calça. E
farejei profundamente, esfregando-o de leve para não machucar Rômulo, que
estava cada vez mais entregue a nós. Eu podia sentir o cheiro dos seus
feromônios vindos de lá e isso me deixou doido, assim como o cheiro do medo me
deixava alucinado quando matava.
Em
um movimento ágil, abri o botão e o zíper, puxando em seguida seu jeans. As pernas pardas e torneadas
ficaram à mostra e repeti o movimento do nariz por cima da cueca boxer mesmo.
Abri a boca como se fosse abocanhar o membro rígido e ele esperou ansiosamente.
Entretanto, meu objetivo era outro. Deslizei a língua pela parte interna de sua
coxa, arrancando mais suspiros dele. E de repente seu corpo soltou um espasmo
de dor. E isso ocorreu porque de onde estava, cravei meus caninos pontiguados e
grandes ali, na altura da veia femoral. A quantidade de sangue que saiu dali
foi incrível e sorvi cada golada com indescritível prazer. Prazer mais intenso
que vários orgasmos.
Rômulo
gemia de excitação e incomodo ao mesmo tempo. A mordida de um vampiro causa
certa dor quando os caninos perfuram a carne, mas é acentuada por uma grande
sensação de prazer em seguida. Isso acontece não somente com a fonte, mas
também com o vampiro que se alimenta dela naquele momento, sentindo a mesma
coisa.
Enri
fazia o mesmo ritual, só que sugava da jugular de Rômulo. Ele estava
completamente dominado pelo nosso “Beijo”. O sangue dele era levemente ardido
por causa do uísque que havia bebido.
Quando
sentimos os batimentos cardíacos dele mudarem para um ritmo mais lento, Enri
disse:
–
Já basta.
Com
Rômulo semi-inconsciente, como se estivesse bêbado mesmo, o levamos para seu
quarto. Enri me deu a honra de carregá-lo. Rômulo tinha a constituição física
firme e era forte, devendo pesar uns 95 kg. Entretanto, pra mim ele era apenas
uma pluma devido a minha força sobrenatural.
O
coloquei delicadamente na cama, lambemos seus ferimentos e enquanto ele
ressonava, ficamos ali velando seu sono em silêncio. Uma onda de sentimento
fraternal me invadiu naquele momento. Era como se algo quente escorresse
lentamente de dentro de mim. Todavia, sentia algo estranho no ar, como um vento
agourento ou uma pesada nuvem tempestuosa se aproximando.
Era
como uma premonição sombria. Sentia como se algo estivesse arrastando-se pra
cima de nós, parecido com aviso. Alguma coisa horrível estava para acontecer
conosco.
Continua...
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